Cuidado... depois não fale que eu não avisei.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

 Cristianismo Ontológico

{Guardem suas tochas, facas, enxadas e revolveres, bem como mantenham ocultos os livros pretos que vocês tem certeza quase que absoluta de serem sagrados e portanto que deveriam ler e entender, mas continuamente procuram desculpas para o fazer, leia abaixo primeiro, incomode-se, e venha erguer as fogueiras inquisidoras em horário comercial por favor.}



Deus nunca morreu. Bloco intacto e primordial, único digno de adoração, inerte e espontâneo, mais ultravioleta do que qualquer mitologia (como as sombras à Babilônia), a original e indiferenciada unidade-do-ser ainda resplandece, imperturbável como as flâmulas negras frenética e perpetuamente embriagada dos Assassinos.

Deus é anterior a todos os princípios de ordem e entropia, não é nem uma divindade nem uma larva, seus desejos primais englobam e definem toda coreografia possível, todos éteres e flogísticos sem sentido algum: suas máscaras, como nuvens, são cristalizações da sua própria ausência de rosto.

Tudo na natureza, inclusive a consciência, é perfeitamente real: não há absolutamente nada com o que se preocupar. As correntes da Lei não foram apenas quebradas, elas nunca existiram. Demônios nunca vigiaram as estrelas, o Império nunca começou, Eros nunca deixou a barba crescer.

Não. 
Ouça, foi isso que aconteceu: eles mentiram, venderam-lhe idéias de bem e mal, infundiram-lhe a desconfiança de seu próprio corpo e a vergonha pela sua condição de profeta [o véu foi rasgado], inventaram palavras de nojo para seu amor molecular, hipnotizaram-no com a falta de atenção, entediaram-no com a civilização e todas as suas emoções mesquinhas.

Não há transformação, revolução, luta, caminho. Você já é o monarca de sua própria pele – sua liberdade inviolável espera ser completa apenas pelo amor de outros monarcas: uma política de sonho, urgente como o azul do céu.

Para lograr abrir mão de todos os acentos e hesitações ilusória da história, é preciso evocar a economia de uma Idade da Pedra lendária – xamãs e não padres, bardos e não senhores, caçadores e não policiais, coletores paleoliticamente preguiçosos, gentis como sangue, que ficam nus para simbolizar algo ou se pintam como pássaros, equilibrados sobre a onda da presença explícita, o agora-sempre atemporal.

Agentes divinos lançam olhares ardentes a qualquer coisa ou pessoa capaz de suportar ser testemunha de sua condição, sua febre por lux et voluptas. Estou desperto apenas no que amo e até o limite do terror – todo o resto é apenas mobília coberta, anestesia diária, merda para cérebros, tédio sub-réptil de regimes totalitários, censura banal e dor desnecessária.

Avatares da vontade divina agem como espiões, sabotadores, criminosos do amor louco, nem generosos nem egoístas, acessíveis como crianças, semelhantes a bárbaros, perseguidos por obsessões, desempregados, sexualmente perturbados, anjos terríveis, espelhos para a contemplação , olhos que lembram flores, piratas de todos os signos e sentidos.

Aqui estamos, engatinhando pelas frestas entres as paredes da Igreja, do Estado, da Escola e da Empresa, todos os monolitos paranóicos. Arrancados da tribo pela nostalgia selvagem, escavamos em busca de mundos perdidos, bombas imaginárias.

A última proeza possível é aquela que define a própria percepção , um invisível cordão de ouro que nos conecta: dança ilegal pelos corredores do tribunal. Seu eu fosse beijar você aqui, chamariam isso de um ato de terrorismo – então vamos levar nossos revólveres para a cama e acordar a cidade à meia-noite como bandidos bêbados celebrando a mensagem do sabor da palavra com um tiroteio. 



Agradecimentos especiais a Hakim Bey, o último profeta que tive notícia.

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