Esse post é a continuação de um velho conto escrito a muito tempo, veja a primeira parte aqui]
Parte II – A Última Balada de Strauss
Passaram duas semanas desde o caso da Invasão do MASP, o acontecido foi aos poucos deixado de lado, nada havia sido roubado, a mídia então se calou. O major Kremilin, na medida do possível tentava retomar a sua vida. Desde aquele dia não teve novos contatos com Jarede, nem fumava tantos cigarros, a presença de Jarede é que o deixava nervoso. Por garantia, inspecionava as chamadas de emergência, mas fora um assalto simples aqui ou ali, só havia reclamações de barulho, essas alias, haviam muitas. Mas Kremilin estava feliz por não haver fadas, nazistas, Warjisalgumacoisa ou qualquer outro que não o carteiro ou o entregador de pizza batendo a sua porta.
Tudo em paz, ou assim pensava o major.
Jarede entrou violentamente dentro do batalhão da Polícia Militar, caminhando direto e obstinadamente rumo à sala de Kremilin, um soldado tentou pará-lo, segurando seu braço, o soldado foi jogado súbita e violentamente no sentido oposto. Jarede carregava um saco de lixo preto, com algum conteúdo dentro. Suas roupas estavam sujas de terra e ele carregava um brilho débil no olhar.
– Kremilin descobri! Kremilin, houve um roubo. Houve um roubo! – Jarede Gritava extasiado, enquanto entrava na sala do major Kremilin. – Eu descobri Kremilin! Houve um roubo! – Jarede parecia desequilibrado, Kremilin não tinha palavras, também estava curioso sobre a informação que a fada possuía, obviamente tinha conexão com o caso do MASP.
– Sente aqui Jarede, sente! – Disse abrindo a porta de sua sala e apontando a cadeira em frente a sua mesa.
Jarede balançou a cabeça em sinal afirmativo, mas não sentou, abriu o saco preto que carregava, revelando o conteúdo, e despejando na mesa, o saco de lixo preto carregava uma cabeça decapitada e semi apodrecida junto com uma parte da espinha dorsal, era a cabeça do Warjisalgumacoisa, Kremilin jamais esqueceria aquele rosto.
– Jarede! Que porra é essa? – Gritou o major.
– Silêncio Kremilin! Vai! – dirigiu-se a cabeça sem corpo – Conta pra ele o que me contou! Vai!
– Jarede, essa é a cabeça de um homem. – resmungou Kremilin, começando a por em cheque toda a fantasia que custara a acreditar sobre Jarede, sobre nazistas e sobre fadas.
– Silêncio! Fala vai!
– Jarede, essa é a cabeç...
– Fa..lhei... destr...es... trua-me. – sussurrou a cabeça virando os olhos frenéticamente, tentando encontrar um ponto para fixar.
– Meu Deus.... – o major empalideceu e levou a mão a boca.
– Silêncio Kremilin! Conte-nos Wardjandobermann, conte-nos o que houve na noite da invasão no MASP.
A cabeça tremeu, diminuindo a velocidade do olhar.
– Fa..lhei... destr...es... trua-me. – Kremilin estava enojado com a cabeça falante na sua mesa, a mão na boca, que denunciava espanto, agora parecia à última defesa para segurar o vomito.
– Claro que destruo, mas antes conte-nos tudo o que aconteceu na noite da invasão no MASP – Jarede sorria como um louco.
– Eu.. Fa.. fa...lhei... o Mu...mu...se...museu de São Pa-pa-pa-pa.. – Jarede deu uma leve palmada na cabeça do Wardjandobermann – ...Paulo, conti...nha a-a-a-a ultima o...obra...a de-de-de-de-de-de – Jarede ameaçou um novo tapa – Última obra de Richard Strauss – completou a cabeça sem interrupções.
– Jarede, nada foi roubado, o curador confirmou. – Kremilin estava enjoado, e remexia as gavetas procurando algo, provavelmente seus cigarros.
– O que foi roubado não foi nada físico, foi uma música, Richard Strauss é um músico.
– Jarede, nada foi roubado, tudo estava lá, nos mínimos detalhes – Kremilin agora procurava seu isqueiro azul.
– Não, não, uma música, a musica não é algo físico, a última obra de Strauss é uma música ela estava escondida na estrutura do MASP e o Wardjandobermann a guardava – Jarede pegou a cabeça e a guardou de volta no saco – Eu pesquisei sobre a ultima obra de Strauss, é um conjunto mítico de quatro canções, que ele teria terminado antes de morrer, seria um presente para o Reich, mas nunca foi executada.
– Você não parece preocupado com o roubo – disse Kremilin acendendo um cigarro, o primeiro de hoje, a visão da chama do isqueiro o relaxou um pouco.
– Não mesmo, a musica é uma arma perigosa, mas como nunca foi tocada, encontrar alguém com habilidade de usá-la, que saiba sua serventia e a forma correta de executá-la é uma combinação extremamente improvável.
– E por curiosidade, como chama essa obra?
– “Die vier Töne des Endes”, algo como “os quatro sons do fim”. – respondeu Jarede sentando na cadeira, aparentando certa paz por ter resolvido parte do caso do MASP.
– Engraçado, uma musica como arma, não consigo imaginar isso – Kremilin se sentou, já estava mais calmo, Jarede não parecia mais tão louco, a fada só queria compartilhar sua descoberta com alguém. Kremilin se pegou pensando na lei anti-fumo de São Paulo, até se lembrar que ele era a lei, continuou a fumar.
– Supostamente a musica abriria os selos do apocalipse... – Jarede parecia confortável na cadeira.
Kremilin começou a ouvir uma movimentada agitação no posto policial, levantou-se, jogou o cigarro no lixo e observou que todos voltavam sua atenção para a TV de plasma que exibia o programa “Hoje em dia”, uma reportagem urgente mostrava uma visão aérea do parque do Ibirapuera, o programa trazia uma certa tensão ao ambiente, uma mulher falava do helicóptero que fazia a filmagem aérea:
“O NUMERO DE MORTOS É DESCONHECIDO, EXPECULA-SE MAIS DE 4 CENTENAS... ALGUMAS ÁRVORES E ANIMAIS TAMBÉM PARECEM TER SOFRIDO O MESMO MAL, ESTÃO ENEGRECIDOS, OS GRITOS JÁ CESSARAM... NÃO HÁ CONFIRMAÇÃO DE ATENTADO TERRORISTA, REPETINDO, NÃO HÁ CONFIRMAÇÃO DE ATENTADO TERRORISTA... E... E... MEU DEUS, É COMO SE A PRÓPRIA MORTE ESTIVESSE AQUI... É HORRÍVEL!!!”
Kremilin olhou atônito para Jarede que a essa altura estava a seu lado observando a tela da TV, com o rosto descolorido.
– Eu pensei ter visto um homem em um cavalo... – resmungou Kremilin.
– ... “Die Vier Töne dês Endes”, os quatro sons do fim... – os olhos de Jarede estavam perdidos em algum lugar – ... a musica como um presente para o Reich... os selos do apocalipse... pelo Arco e o Fosso... – Jarede sentou-se no chão deixando o corpo cair com um baque, olhou Kremilin nos olhos, de uma forma ainda mais suplicante que no dia da invasão do MASP.
Kremilin não conseguiu dizer nada.
– Kremilin... – disse Jarede em tom baixo, levando as mãos ao rosto, aparentando uma súplica ou dor. – Vá para casa... fique com sua família. Tempos difíceis estão vindo.
Einleitung - três Anos depois.
Cão estava diante daquela criatura, a sua mente negava parte daquela existência, seu braço estava debaixo da pata daquele pseudo-cavalo, há pelo menos cinco metros de distância de onde estava seu ombro, doía. Cão desejava fortemente que aquilo que ele ouvira sobre os cavaleiros do apocalipse fossem verdade, tinha certeza de que se fossem caveiras em cima de cavalos coloridos, iria ser bem mais fácil de lhe dar com o medo. Mas infelizmente, não eram, não tinham nada de caveiras. Eles eram loucura, pura e simplesmente.
...
Novembro de 2009
para Calíope
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